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Redes adormecidas de Regência


Na vila de Regência, vários tipos de redes de pesca (redes de espera, redes de calão, tarrafas...) estão suspensas nos quintais das casas dos pescadores. As redes ficam esticadas entre dois pilares, e muitas vezes, penduradas em grandes árvores.

De onde vem esse hábito e para que serve? Aparentemente, esta é uma maneira de arrumar e armazenar as redes, esticá-las para que não percam a forma e elasticidade (pois o náilon é frágil), conservá-las fora do sol direito, da umidade ou da poeira do chão. O pescador Zé de Sabino afirmou com certo orgulho que ele foi o primeiro a iniciar essa prática de pendurar as redes em árvores. Alguns pescadores que fabricam novas redes - as costurando a mão- as põem nas árvores do solar da casa na intenção de vendê-las, com é o caso de seu Darcy e suas belas tarrafas.

Mas, além dessas explicações práticas, surgem algumas perguntas. A beleza visual dessas “instalações” é a mera consequência involuntária de uma escolha técnica ou também resulta de uma intenção estética ou poética? Ou seja: existe uma arte de suspender as redes nas árvores? E o que essas armadilhas pegam enquanto estão assim penduradas? Qual tipo de relação surge da convivência entre árvores e redes?...

Em alguns quintais tive a impressão que as redes estavam ali desde sempre, numa sonolência indefinida, e que existia certa relação simbiótica, imediata, quase “natural” entre elas e as árvores. As redes entraram no reino vegetal ou as árvores se tornaram redes?

No final das tardes de sol, a luz rasante inflama o quintal da Patrícia e sua família, dourando as majestosas frutas-rede. O quintal parece se transformar numa instalação de arte contemporânea, num espaço meditativo ao ar livre. O silêncio é ritmado pelo som do vento nas folhas e nas copas, pelo canto suave de algum passarinho. O leve barulho de alguém varrendo um quintal ao lado ou o som afastado de um rádio portátil, lembra a presença humana.

A chegada da lama toxica na foz do Rio Doce no final de 2015 foi um acontecimento funesto também para as redes. Mesmo se de fato nem todo mundo parou de pescar, muitas dessas redes caíram no sono desde então. Perderam sua função inicial. Ficaram paradas, penduradas indefinidamente nos galhos das árvores. Ora, como comentou a Luciana, as redes “precisam ir na água, senão elas estragam mais rápido’’; pois a vida “útil” das redes consistia nessa alternância entre estadia na água e o ar livre. Se tornaram armadilhas inofensivas que nem sonham em capturar um peixe voador. Nas árvores elas ganharam uma nova função menos predatória, menos eficaz. Hoje somente pegam algumas folhas caídas ou trazidas pelos ventos. Balançam ligeiramente na brisa, ou com um pouco mais de intensidade quando sopra o vento sul.

Os donos das redes adormecidas de Regência esperam a liberação da pesca, esperam as aguas -do rio, do mar e das lagoas- ficarem limpas... Precisa coragem e esperança, paciência e imaginação, pois dizem que 95% da lama tóxica ainda não desceu até a foz do rio.


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